Opinião
Carta aberta à minha amada
Por Paulo Rosa
Médico
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Comento esta intimidade porque é tempo de falar de amor. Aliás, sempre é tempo. Nesse mundão velho, que prima pelos discursos de ódio, que agora circulam em tempo real, expressar amor torna-se perene novidade.
Pois tudo começou pela paixão incandescente, como é a praxe. Qual paixão não é fulgurante, desmedida, incomensurável, inefável? Se não o for, não será paixão. Assim, as primeiras chamas começaram em sala de aula e nosso primeiro autor compartilhado foi Thomas Mann, quando o sábio disse em sua A Montanha Mágica: 'doenças são paixões transformadas'. Estudávamos, então, como se adoece. Reconhecemos nessa sentença do prêmio Nobel uma verdade de grande valor heurístico, para um professor de psicopatologia que busca mover reflexões, para mais além dos meros clássicos médicos. Se nossas paixões não forem correspondidas, aprendemos ali, elas não desaparecerão e, sim, seguirão existindo sob nova roupagem, como doenças. Vimos, também, que as coisas não transcorrem de modo linear, pois há fatores genéticos, culturais, históricos, familiares que também contribuem na construção da doença. Não bastassem os aprendizados, numa expressão de afinidade cultural, quiçá afetiva, ela comprou A Montanha Mágica e trouxe para mostrá-lo. Gravou-se-me na memória.
Todo caso de amor tem idas e vindas, progressos e percalços. Não comentarei, por ser lugar comum, existe em todos os casos. Lembrei, outrossim, de uma teoria cósmica sobre o amor, segundo a qual os amores oscilam, qual astros, em órbitas elípticas: há momentos próximos e outros, distantes, sem saírem de órbita. A noção cosmológica contribui ao bem-estar dos amantes. Assimilam eles que, a não ser nos estados passionais, os amores exigem variações ao longo do tempo, um momento muito próximo, outro momento, distanciado. Só a paixão concede a proximidade imutável. Daí, órbitas circulares.
A motivação final, o plus para escrever à amada foi a construção da casa, coisa que recém concluímos. Há algum tempo procuramos juntos por arquitetos, pedindo-lhes um projeto para, nada menos, uma 'escultura habitável'. Assim queríamos morar. Habitar uma obra artística. Motivos óbvios: o belo, o escultural e o artístico geram bem-estar e inspiram corações e mentes a cuidados e cultivos superiores. Pois eles conseguiram. Quanto lhes somos gratos! Os desafios comunicacionais de uma construção - do projeto até o habite-se da casa - dizendo o que se deseja para quem vai executar os sonhos, são incomensuráveis. Fomos vencendo cada etapa, passo a passo. Isso muito nos aproximou, na contramão do ditado que reza 'construção dá em divórcio'.
Hoje somos gratos um ao outro pela parceria e, em igual medida, aos arquitetos-colaboradores Paula Sousa, Alexandre Rodrigues, Catarina Loder.
Nosso amor, isto é, um inefável afeto, se concretizando, para geral surpresa, no mundo real, ou seja, na escultura-casa que eles e nós construímos.
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